Promotores defendem programa de integridade no combate à corrupção
A adoção de programas de integridade (compliance) pelas empresas para prevenir e combater fraudes e atos de corrupção na relação com o setor público foi assunto de palestras na “Conferência de Controle Disciplinar: Por Um Estado Íntegro e Eficiente”, realizada pela Controladoria Geral do Estado (CGE-MT), na última semana, em Cuiabá.
O promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Mato Grosso lotado na Corregedoria Nacional do Ministério Público, Reneé do Ó Souza, destacou que a integridade trazida pela Lei Anticorrupção (Lei Federal n. 12.846/2013) não se limita à elaboração de um mero código de ética para os funcionários das empresas.
“Um programa de compliance envolve rotina de trabalho, rotina de treinamento, identificação de áreas de risco que levem a empresa a adotar mecanismos que a impeçam ou dificultem a ocorrência dos atos de corrupção desde o alto escalão da empresa até o menor empregado dela, inclusive junto aos contratados”, comentou.
No Brasil, o compliance funciona como mecanismo de atenuação das penalidades da Lei Anticorrupção. Por isso, não basta a simples existência do programa de integridade. É preciso que ele funcione na prática. “Para ser bem caracterizado como um instrumento real, o programa de compliance precisa ser diuturnamente alimentado, exercitado e frequentado por todos da empresa para que a administração pública consiga identificar se, por exemplo, o pagamento de propina para deslocar o produto do interior para sede foi feito dentro daquilo que a empresa poderia prever como sendo algo ilícito ou se foi cometido de maneira extraordinária”, argumentou.
O promotor defende a coparticipação do cidadão brasileiro e do empresariado no combate à corrupção, mediante instrumentos como compliance, colaboração premiada e o acordo de leniência. “O Estado não dá conta de fiscalizar todos os atos administrativos praticados por uma população que cresce de maneira desgovernada. Quanta estrutura estatal de fiscais de contratos, juízes, promotores e polícia, por exemplo, seria necessária para dar conta de toda essa demanda? A solução do Estado moderno é a criação de mecanismos de inserção do cidadão nesta engenharia”, opinou.
Reneé defende que a adoção de programas de integridade pelas empresas é um caminho sem volta. “O Estado necessita que o empresário entenda que o ambiente criado numa concorrência desleal e permeada pela corrupção não é um ambiente seguro, confiável e sustentável. Não se pode mais lucrar praticando atos de corrupção como sendo algo normal, inserido no custo-benefício do negócio.”
Tudo isso passa pela mudança de percepção da sociedade quanto às consequências da corrupção. “Recentes pesquisas revelam que o brasileiro capitula a corrupção como o principal problema do país, deixando o desemprego em segundo lugar. Essa mudança de perspectiva da população vai ao encontro da maior virtude do ambiente de compliance, que é fazer com o mercado privado comece a fomentar práticas éticas”, salientou Reneé.
Governança
O promotor de Justiça do Estado do Estado do Espírito Santo, Marcelo Zenkner, ponderou que o conceito de integridade ultrapassa o de honestidade. “A integridade é aquilo que fazemos com correção, ainda que ninguém esteja observando. Muita gente é honesta, age com correção porque está sendo fiscalizada (controle) e não porque aquilo que tem de ser feito é o correto. Integridade é mais: é aquilo que é correto, é aquilo que fazemos sempre ainda que não estejamos sendo fiscalizados.”
Para ele, a integridade está diretamente relacionada com a boa governança e com o combate à corrupção. Dessa forma, nas empresas, Zenkner defende uma mudança da cultura jurídica voltada para a integridade. Na administração pública, ele defende o fortalecimento do controle interno.
“Diferentemente de outros crimes, a corrupção é sempre um crime racional. Acontece pela oportunidade, pela facilidade de acesso à prática do ilícito. Em locais onde o controle é frágil, fica mais suscetível a prática de ilícitos”, argumentou.
Zenkner pontuou que a prevenção tem uma importância inegável nesta questão, mas, quando se trata de repressão, é preciso se ater primeiramente ao corruptor. “Quando se ataca o corruptor, acaba se atacando o corrupto porque se fecha a torneira da corrupção”, disse.
Debates
O evento reuniu servidores públicos, estudantes universitários, profissionais de comunicação e sociedade em geral para debater temas ligados à conduta, controle disciplinar e eficiência de agentes públicos e de empresas que negociam com o setor público. Também objetivou aprimorar os conhecimentos sobre a Lei Anticorrupção (Lei Federal n. 12.846/2013), sobretudo dos servidores que atuam em unidades de corregedoria/correição.
Contribuíram com os debates: o corregedor Setorial de área de Minas e Energia do Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União (CGU), Wesley Almeida Ferreira; o presidente do Conselho Nacional de Controle Interno (Conaci), Roberto Paulo Amoras; o juiz da Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Várzea Grande, Eduardo Calmon de Almeida Cezar; o conselheiro interino do Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT) e coordenador da Rede de Controle da Gestão Pública em Mato Grosso, Moisé Maciel; o analista político e professor universitário Alfredo da Mota Menezes (MT); o secretário-controlador geral do Estado de Mato Grosso (CGE-MT), Ciro Rodolpho Gonçalves; a secretária-adjunta da Corregedoria Geral do Estado (CGE-MT), Cristiane Laura de Souza; e o secretário-adjunto de Controle Preventivo (CGE-MT), José Alves Pereira Filho. Os debates foram mediados pelos jornalistas André Michells e Igor Taques.