PEC 22/2017: uma nova primavera para os Tribunais de Contas
por Valdecir Pascoal*
Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da fé, foi a época da incredulidade, foi a estação da luz, foi a estação das trevas, foi a primavera da esperança… (“Um conto de duas cidades”, de Charles Dickens)
I – Avanços e crise
Ao se fazer uma leitura criteriosa e equilibrada da atuação dos Tribunais de Contas brasileiros nos últimos 29 anos, período de vigência da atual Constituição e que inaugurou o novo modelo de composição e de competências dessas instituições, a conclusão nos remete a uma espécie de paradoxo. Os Tribunais de Contas vivem o seu melhor momento da história, ao mesmo tempo em que enfrentam uma de suas maiores crises de credibilidade.
A proposta de Emenda à Constituição Federal — PEC 22/20171— apresentada recentemente ao Congresso Nacional pelo Senador Cássio Cunha Lima, a partir de sugestão da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) — traz uma clara perspectiva de aprimoramento dos Tribunais de Contas. Em síntese, ela prevê a criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas (CNTC) e o estabelecimento de novos critérios para a composição dos colegiados desses órgãos e de uma Lei Nacional Processual de Contas.
Antes, porém, de justificar as medidas de aprimoramento que constam da referida proposta, é mister, por dever de justiça, e até para delimitar com mais precisão o alcance da PEC referida, voltar à primeira parte do já mencionado “paradoxo”.
Em recente pesquisa nacional CNI-Ibope, 80%2 dos entrevistados concordam que os Tribunais de Contas são fundamentais para se combater a corrupção e a ineficiência no serviço público. Trata-se de um dado insofismável que revela a importância institucional desses órgãos e faz justiça ao profícuo trabalho realizado pela grande maioria de servidores e membros que integram hoje os Tribunais de Contas. E tanto isso é verdade que na atual crise não se houve falar em extinção dos Tribunais, como já ocorrera em contextos passados. A palavra de ordem hoje é “aprimoramento”.
As raízes desse reconhecimento? Ei-las: grande parte dos Tribunais de Contas estruturaram seus quadros com servidores de carreira, passaram a atuar preventiva e cautelarmente para evitar prejuízos ao erário e a avaliar a eficiência das políticas públicas, por meio das auditorias operacionais; avançaram na integração com os demais órgãos de controle; reforçaram o seu papel educador, instituindo escolas de contas; e estimularam o controle social, por meio de ouvidorias e amplos portais de transparência de dados da gestão pública3. Ressalte-se, ainda, o ganho de qualidade processual alcançado a partir da efetivação dos novos papéis desempenhados pelos auditores (Ministros e Conselheiros Substitutos) e procuradores do Ministério Público de Contas.
Nesta mesma pesquisa CNI-Ibope, contudo, é dito, com as letras todas, que os Tribunais de Contas devem ser órgãos técnicos e não políticos e que eles, malgrado a relevância institucional, podem e devem melhorar o seu desempenho como guardiões da boa gestão e da responsabilidade fiscal.
Este diagnóstico do passado, do presente de crise e dos cenários almejados há de ser balizado por duas máximas da sabedoria grega: “conheça a si mesmo” e “nada em excesso”. Alerta para aqueles que, por vaidade ou conveniência, fogem da autocrítica e ensaiam deliberadas cegueiras sobre as mazelas éticas e de desempenho existentes, pondo-as por debaixo dos tapetes. Vale, igualmente, para os que se aproveitam do clamor cidadão — inerente aos momentos de exacerbadas tensões sociais, como a que se vive hoje no país — para propagarem a completa iniquidade do sistema, esquecendo-se dos mencionados avanços e seus legados positivos e olvidando uma leitura histórica do processo de aprimoramento das instituições republicanas, incluindo aí os três Poderes e todos os órgãos de controle.
Tais miopias e “darwinismos” oportunistas nos remetem à fábula de Ítalo Calvino, em “O Visconde partido ao meio”: destroçado por uma bala de canhão, apenas uma metade exata (a má) do corpo do Visconde consegue ser recuperada. Na volta ao castelo, seu novo comportamento surpreende os servos. Algum tempo depois, ele se depara com sua outra metade, que se caracterizava pela bondade. No entanto, ambas as partes são rejeitadas pela população, em virtude dos seus excessos. A moral da fábula é que o ser inteiro tem as duas faces, mas, por incompleto, está sempre sujeito a aperfeiçoamentos.
Com efeito, para “conhecer a si mesmo” e não exceder, inclusive por omissão, em relação às necessárias vacinas e remédios que propiciem o aperfeiçoamento dos Tribunais de Contas, é necessário, justa e honestamente, juntar as duas partes do Visconde Menardo Di Terralba. Se os Tribunais de Contas do Brasil não podem ser considerados ainda instituições perfeitas, tampouco podem ser rotulados de casas de inutilidade.
II – A PEC 22/2017
Os recados ouvidos da sociedade e dos estudiosos do controle com vistas ao aprimoramento dos Tribunais de Contas podem ser resumidos em três vertentes: (1) é necessária uma instância externa que controle os Tribunais de Contas, tanto em relação à conduta ética de seu membros, como no atinente à sua gestão e ao seu desempenho institucional; (2) é preciso recalibrar a composição desses órgãos, de sorte a fazer predominar, no colegiado, os membros oriundos das carreiras técnicas, além de instituir novos critérios-filtros para todas as indicações, visando acabar com a influência político-partidária e o ingresso de pessoas desprovidas dos requisitos constitucionais exigidos; e (3) a nova dimensão adquirida pelo processo de controle externo, e suas relevantes consequências no campo penal, da improbidade e eleitoral (inelegibilidades), exige, com o objetivo de mitigar as assimetrias e a insegurança jurídica, uma lei nacional — uma espécie de “CPC de Contas” — que estabeleça normas gerais sobre o processo de contas e, ainda, um mecanismo que permita a uniformização da jurisprudência sobre temas controversos entre os trinta e quatro Tribunais.
É forçoso reconhecer que a melhoria do desempenho dos Tribunais de Contas já pode e deve ser buscada, em muitos aspectos, independentemente de uma reforma constitucional. O ex-Ministro do STF Carlos Ayres de Britto, com a sabedoria que lhe é peculiar, costuma dizer que a Lei Maior foi deveras generosa para com os Tribunais de Contas e que é chegada a hora de eles honrarem, da forma mais efetiva possível, essa nobre missão constitucional. Aqui um parênteses, para mencionar uma importante iniciativa da Atricon que visa estimular o aprimoramento dos Tribunais de Contas — o Marco de Medição de Desempenho dos Tribunais de Contas (MMD-TC). Ferramenta de padrão internacional que compõe o Programa Qualidade e Agilidade dos Tribunais de Contas (QATC), trata-se de um verdadeiro “passarinho na mão”, posto que é bússola para a efetividade e que vem induzindo avanços significativos na forma de atuação dessas instituições4.
Nada obstante, a realidade evidenciada na atual crise, como antedito, exige mudanças estruturais no próprio desenho constitucional do modelo de composição e de governança interna dos Tribunais de Contas. São elas que constituem o escopo dos aprimoramentos previstos na PEC 22/2017, cujos principais pontos são destacados a seguir.
II.1 – O Conselho Nacional dos Tribunais de Contas
A proposta prevê a criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas (CNTC), com as seguintes atribuições básicas: a) processar e responsabilizar os membros dos Tribunais de Contas (ministros, conselheiros e seus substitutos) por irregularidades e desvios éticos; b) fiscalizar os atos de gestão administrativa e financeira dos Tribunais; c) estabelecer metas nacionais de desempenho; e d) dar transparência máxima, por meio de um Portal na Internet, aos atos de gestão e da fiscalização exercida pelos Tribunais. Além disso, uma das novidades da proposta é a previsão de uma câmara com a função de uniformizar a jurisprudência sobre temas de repercussão nacional, a exemplo daqueles presentes na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Em sintonia com a legítima preocupação quanto ao aumento dos gastos públicos e à criação de um novo órgão, a proposta prima pela austeridade, porquanto seu impacto sobre as contas públicas será mínimo. O CNTC funcionará no Tribunal de Contas da União (TCU), seus integrantes não serão remunerados, os eventuais deslocamentos e assessoramentos serão custeados obrigatoriamente pelas entidades nele representadas e as sessões devem acontecer, preferencialmente, em ambiente virtual. Sua composição atende aos postulados federativos e de arejamento social, na medida em que será composto por dois ministros do TCU, quatro conselheiros de Tribunais de Contas de Estados e Município(s), um auditor (ministro ou conselheiro substituto), um procurador do Ministério Público de Contas (MPC), um representante da OAB e dois cidadãos, um indicado pela Câmara e outro, pelo Senado Federal. A Câmara de Uniformização de Jurisprudência será composta, observada a proporcionalidade federativa, apenas pelos integrantes do CNTC que sejam membros de Tribunais de Contas, oficiando, perante ela, o Procurador Geral do MPC junto ao TCU.
Muitos podem perguntar: por que não inserir os Tribunais de Contas no Conselho Nacional de Justiça (CNJ)?
Em primeiro lugar, submeter os Tribunais de Contas ao CNJ é inconstitucional por manifesta afronta ao princípio da separação dos poderes, cláusula pétrea que impede a propositura de emendas à Lei Maior. Embora compostos por julgadores (magistrados) de contas, os Tribunais de Contas não fazem parte do Judiciário. A rigor, seria algo como sujeitar os membros do Ministério Público ou do Poder Legislativo ao CNJ. Ou submeter os magistrados ao Conselho do Ministério Público. Por outro lado, e não menos relevante, os membros do CNJ, em sua maioria, desconhecem a realidade do processo de controle externo e dos Tribunais de Contas, o que inviabilizaria o exercício de uma das atribuições mais importantes desses Conselhos: a instituição cogente de metas e indicadores de desempenho institucional.
Há, outrossim, os que alegam a questão dos custos para defender o CNJ, neste caso. O impacto fiscal, como dissemos, é um aspecto importante, tanto que a PEC 22/2017 o leva em conta, quando propõe um novo modelo austero para o CNTC. Todavia, ademais das cautelas já referidas, o argumento financeiro não pode constituir-se em estorvo cabal. Há benefícios que certamente valem os custos. A melhoria do controle a ser propiciada a partir da atuação do CNTC compensará o esforço, como bem atestam as experiências do próprio CNJ e do CNMP. A propósito, as propostas constitucionais que conferem autonomia orçamentária aos Ministérios Públicos de Contas, apoiada pelas diretrizes da Atricon5, vale dizer, é outro exemplo de benefício que valerá o custo.
II.2 – O novo modelo de composição dos Tribunais de Contas
A PEC 22/2017 propõe que os colegiados de todos os Tribunais de Contas do Brasil, incluindo o TCU, sejam compostos predominantemente por membros oriundos das carreiras técnicas. O TCU, mediante indicação própria, aumentaria de dois para cinco os membros oriundos das carreiras, da seguinte forma: três escolhidos entre Ministros Substitutos (Auditores), um, entre Procuradores de Contas do MPC, e outro, do quadro de Auditores de Controle Externo. As indicações do Congresso Nacional passariam de seis para quatro, sendo eliminada a indicação livre do Chefe do Poder Executivo. Os Tribunais de Contas nas esferas dos Estados, Distrito Federal e Municípios, mantendo-se a histórica e necessária simetria com o modelo federal, seriam compostos por dois membros oriundos do quadro de Conselheiros Substitutos (Auditores), um, dos Procuradores dos MPCs, um dentre os Auditores de Controle Externo e os outros três — e não mais quatro — continuariam indicados pelo Legislativo.
A prevalência de Ministros e Conselheiros Substitutos nos colegiados ocorre justamente pelo fato de estes já serem, à luz da Carta Magna, membros naturais dos Tribunais de Contas, papel semelhante ao desempenhado pelos Juízes no âmbito do Judiciário. Já a presença de um Procurador de Contas e de outro membro oriundo da carreira de controle externo ocorre à semelhança do chamado “quinto constitucional”, também existente nos Tribunais do Poder Judiciário.
Antes de qualquer outra razão, a lógica a justificar a inflexão proposta quanto à composição dos Tribunais de Contas reside na busca de conferir uma repartição mais proporcional em relação às competências das duas instâncias de poder responsáveis constitucionalmente pela magna função de controle externo da administração pública: o Poder Legislativo, representando o povo, atuando no controle político da gestão pública, e os Tribunais de Contas, como órgãos técnicos autônomos e dotados de competências constitucionais exclusivas. Com efeito, no exercício de sua competência fiscalizadora, o Poder Legislativo já dispõe de inúmeros e poderosos instrumentos para controlar a gestão pública, a saber: (a) julga as contas do Chefe do Poder Executivo, (b) susta atos normativos do poder público, (c) susta contratos administrativos, (d) aprova os orçamentos e acompanha a sua execução por meio de comissão específica; (e) aprova CPIs — Comissões Parlamentares de Inquérito; (f) convoca autoridades para prestarem esclarecimentos sobre atos de gestão; (g) emite parecer prévio sobre as contas dos Tribunais de Contas; (h) solicita auditorias aos Tribunais de Contas; (i) julga os Chefes de Poder Executivo nos crimes de responsabilidade (impeachment); (j) zela pelo equilíbrio fiscal por meio de uma Instituição Fiscal Independente, sem esquecer (k) o controle exercido por meio da apreciação de leis e do poder de veto.
Aos Tribunais de Contas foram reservadas as competências de natureza mais técnica, destacando-se o exame das contas para fins de julgamento (contas de gestão) e a emissão do parecer prévio (contas de governo), a partir da realização de auditorias e inspeções que analisam a legalidade, a legitimidade, a economicidade e a eficiência de todos os atos de governo e de gestão, tudo isso sob o auspício do devido processo legal de contas, que assegura ampla defesa, contraditório, recorribilidade e juízo de valor equânime e proporcional. Processo peculiar “de colorido quase jurisdicional”, como denomina o Ministro do STF Celso de Mello. Um aspecto que merece realce é a compreensão da precisa topografia institucional dos Tribunais de Contas. Não obstante colaborem com o Parlamento no exercício da função de Controle Externo, os Tribunais não são órgãos inseridos na estrutura do Poder Legislativo.
É, portanto, sob essas perspectivas e balizas, que a PEC 22/2017 apresenta uma nova calibragem da composição dos Tribunais de Contas, com predomínio de membros que naturalmente construíram uma carreira profissional no exercício técnico do controle externo. Neste aspecto, há uma analogia direta com a forma de compor os Tribunais de Justiça dos Estados, os Tribunais Regionais Federais e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos quais a maioria dos membros advêm da própria carreira da magistratura. A rigor, essa nova inflexão constitui um desdobramento do mesmo movimento que já ocorrera quando da promulgação da CF/88, em que a composição passou a contar, pela primeira vez, com membros oriundos das referidas carreiras e o Poder Legislativo aumentou o seu papel. Vale lembrar que, antes de 1988, todas as indicações eram do Poder Executivo.
Com esse novo paradigma referente à composição, é imperioso registrar, à luz das reflexões aqui mencionadas, que não se está pondo em dúvida o caráter, a idoneidade ou a competência dos atuais membros oriundos do Legislativo e do Executivo, os quais, em sua esmagadora maioria, honram a função que exercem. Com efeito, esses valores éticos e morais são imanentes à personalidade de cada pessoa e transcendem a origem e a trajetória profissional. É falsa, portanto, a ideia de estabelecer uma dicotomia: membros técnicos e membros políticos. Qualquer que seja a proporcionalidade ou a origem dos que compõem os colegiados, a atuação do membro de um Tribunal de Contas deve primar obrigatoriamente pela técnica. É essa a natureza jurídica do processo de contas no âmbito dos Tribunais, sem espaço, portanto, para juízos políticos. Ressalte-se, porém, que decidir tecnicamente não significa seguir sempre e cegamente os “achados” (irregularidades) apontados nos relatórios preliminares ou pareceres produzidos pelas equipes técnicas de auditoria. É possível, que a partir da defesa apresentada ou da produção de provas idôneas, a decisão final do Tribunal conclua motivadamente de forma diferente e, mesmo assim, a deliberação será de natureza técnica.
Ao tempo em que propõe um novo perfil para o colegiado dos Tribunais de Contas, a proposta preserva aproximadamente quarenta por cento das vagas para o Poder Legislativo, acrescentando, contudo, novos filtros-requisitos, como quarentena de três anos, vedação de indicação de quem tenha condenação, ainda que em primeiro grau, daquele que teve contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas de sua jurisdição. Exige-se, ademais, quorum qualificado de maioria absoluta para aprovação (hoje basta maioria simples) e estes deverão, no mínimo, possuir graduação e experiência nas áreas jurídica, contábil, econômica e financeira ou de administração pública, como forma de aferir o “notório conhecimento”, sobre a área técnica do controle, ditado pela Constituição. Detalhe: mutatis mutandis, esses mesmos filtros são exigidos para as indicações emanadas das carreiras.
Com efeito, há que se reconhecer a importância da manutenção de indicações advindas do Poder que representa o povo — e por isso mesmo titulariza a função de controle. Não se mostra razoável alijar por completo a benfazeja participação do Legislativo na formação dos colegiados dos Tribunais de Contas. Ademais, a partir da aprovação dos novos regramentos espera-se maior diversificação e multidisciplinaridade nos perfis que venham a ser indicados pelo Parlamento: agentes públicos com reconhecida experiência legislativa, em gestão e controle e cidadãos, estudiosos, acadêmicos e profissionais liberais renomados que preencham os requisitos para o cargo.
II.3 – A Lei Nacional Processual de Contas
Além dos pontos referentes à composição e ao CNTC, a PEC 22/2017 preocupou-se com a padronização da atuação dos Tribunais de Contas, ao incluir, entre as matérias de competência legislativa privativa da União, a edição de um diploma processual de controle externo de caráter nacional, uma espécie de “CPC de Contas”, de iniciativa privativa do Tribunal de Contas da União. Hoje são trinta e quatro leis orgânicas e regimentos internos independentes, disciplinando integralmente o processo de contas em cada Tribunal. Resultado: assimetrias quanto a procedimentos, tipologia processual e conteúdo das contas. Deste ponto de vista, a proposta contribui para consolidar um antigo desejo dos atores do controle externo brasileiro, iniciativa alinhada com o sentido amplo da uniformização e sistematização pretendida pela proposta.
A ilustrar a importância desse código de contas, imagine-se um gestor de um determinado município dos Estados do Pará, Ceará, Goiás ou Bahia, por exemplo, que tenha o dever de prestar contas de um convênio financiado a partir de recursos oriundos dos governos federal, estadual e municipal. Pelas regras de hoje, este gestor terá que observar regramentos processuais de três diferentes Tribunais de Contas. Imagine-se ainda que, em relação à interpretação da aplicação de leis nacionais, a exemplo da LRF, estes três Tribunais de Contas possuam diferentes entendimentos. A existência do “CPC de Contas”, aliada ao novo papel da Câmara de Uniformização de Jurisprudência do CNTC, assegurará coerência, previsibilidade e segurança jurídica àqueles que integram a relação processual de contas.
III – O tempo e os novos ventos democráticos e republicanos
Sem embargo de outras propostas respeitáveis que tramitam no Congresso Nacional, a PEC 22/2017, que conta com o apoio institucional da Atricon e da maioria dos que integram o Colégio de Presidentes de Tribunais de Contas do Brasil, enfrenta, com ousadia, equilíbrio e de forma sistêmica, pontos nevrálgicos que mitigam um aprimoramento mais célere e estruturado desses órgãos. Decerto que doravante a proposta deve ser debatida com a sociedade e dentro do próprio sistema de controle externo, assim como com a academia, mas, sobretudo, com o Congresso Nacional, que poderá aprimorá-la ainda mais e conferir-lhe o imprescindível selo da legitimidade democrática.
Se há a crise, e ela existe, a oportunidade de superação se descortina em igual magnitude. Nada obstante, se se soube, com trabalho coletivo e colaborativo, coragem e paciência, fazer a hora até aqui, é preciso estar ciente de que “há tempo para tudo” e que a dialética do processo legislativo exigirá de todos um esforço redobrado com vistas a priorizar as muitas convergências quanto ao futuro modelo dos Tribunais de Contas.
Como na magistral cena de abertura do filme “Match Point”, de Woody Allen, sempre lembrada com lucidez pelo Ministro do STF, Luís Roberto Barroso, conseguiu-se, até aqui, o feito histórico de colocar a bola de tênis exatamente sobre a rede que separa os dois lados da quadra. Ajudados pelos ventos democráticos e de esperança vindos da sociedade, o desafio que se impõe agora é criar uma nova primavera para os Tribunais de Contas, convencendo os representantes do povo a ganhar definitivamente esse histórico jogo republicano. A boa nova precisa andar nos campos.
*Valdecir Pascoal é Presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) e Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE). Email: atricon@atricon.org.br
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Notas
- Texto completo da PEC 22/2017 está disponível em: <https://goo.gl/wQ5GVM>.
- Matéria “Para brasileiros, Tribunais de Contas são essenciais no combate à corrupção e à ineficiência, revela pesquisa Ibope/CNI”. Disponível em: <https://goo.gl/ZzIIVt>.
- Ver hotsite de Boas Práticas dos Tribunais de Contas do Brasil, disponível em: <https://boaspraticas.atricon.org.br/>.
- Para conhecer o Programa QATC visite o hotsite disponível em: <http://qatc.atricon.org.br/>.
- Resolução Atricon nº 3/2015, disponível em: <https://goo.gl/Dhc5WA>.