O teste de integridade na luta contra a corrupção

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O teste de integridade consiste em submeter um agente público a uma simulação de situação cotidiana, na qual ele tem a oportunidade de cometer ilícitos contra a Administração Pública. O teste é conduzido sem o conhecimento do agente e, em caso de cometimento da ilicitude, o indivíduo pode vir a ser responsabilizado pelo ato praticado.

Existem duas modalidades conhecidas de teste de integridade – o aleatório ou randômico e o dirigido ou direcionado. Basicamente, a diferença entre os dois tipos reside na forma de escolha do indivíduo a ser testado: no primeiro tipo, o agente é escolhido aleatoriamente e, no segundo tipo, será submetido ao teste aquele indivíduo cuja conduta já esteja sob suspeita.

Embora seja novidade no Brasil, o teste de integridade já é aplicado em países como Estados Unidos, Austrália, Reino Unido, Geórgia e Hong Kong. Além disso, diversas organizações internacionais de relevância recomendam a aplicação do teste:  o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Banco Mundial e a Transparência Internacional.

Em âmbito nacional, a discussão sobre o teste de integridade ganhou destaque por fazer parte do pacote das dez medidas de combate à corrupção proposto pelo Ministério Público. Essa possibilidade de inserção do teste de integridade no Brasil suscitou diversas críticas. As principais consistem em afirmar que o teste seria inconstitucional por afrontar a presunção de inocência e que a remuneração baixa de muitos agentes públicos tornaria a propina uma proposta irrecusável.

Contrapondo o suposto desrespeito à presunção de inocência, ressalta-se que o teste de integridade é essencialmente uma avaliação da conduta moral do agente público e, somente em caso de reprovação, surge como mecanismo de coleta de provas em um processo que deve observar os direitos e garantias fundamentais, tais como contraditório e ampla defesa.

Por sua vez, a associação da baixa remuneração à aceitação de propina consiste em argumento preconceituoso, pois parte do pressuposto de que a prática de atos corruptos tem origem na privação de recursos. Seguindo tal linha de raciocínio, a pobreza seria, então, um fator determinante para a corrupção. Essa conexão, além de incorporar uma elevada carga depreciativa, simplifica o fenômeno da corrupção ao tentar explicá-lo por meio de uma sobrecarga excessiva a um aspecto superficial, em detrimento da análise de elementos multidimensionais, como a cultura, a formação histórica e o contexto político e social do país.

Entre as críticas ao teste de integridade, não se verifica a alegação de que seja ineficaz para a prevenção e o combate da corrupção. Nesse ponto, pode-se afirmar, inclusive, que o fato de a ferramenta ser eficaz aumenta a resistência a sua implementação, principalmente por parte daqueles que usufruem dos benefícios do ambiente corrupto.

No contexto atual de constante descoberta de casos envolvendo corrupção em todos os níveis da Administração Pública brasileira, esse tipo de ilícito parece ter chegado a patamares antes não imaginados. A corrupção é comparada a uma endemia e tem se desenhado em uma estrutura transnacional e altamente organizada, causando graves prejuízos à sociedade.

O combate à corrupção exige uma visão atenta aos modernos instrumentos processuais e de investigação, mais consentâneos com a nova criminalidade. Nesse sentido, é essencial que o momento atual de intensa discussão sobre mecanismos que possibilitem a redução da corrupção no país seja aproveitado para inserir uma ferramenta que já tem sua eficácia comprovada empiricamente por outros países, além de ser recomendada por instituições importantes na luta contra a corrupção.

A prática de atos envolvendo corrupção, mesmo sujeita a penalidades severas, como a expulsão, ainda se mostra constante na Administração Pública. Dados da Controladoria Geral da União apontam que, em 2017, 65,6% das punições expulsivas foram decorrentes de atos relacionados à corrupção.

O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes considera que a retirada ou afastamento dos agentes corruptos da Administração Pública não é a medida mais efetiva no combate à corrupção, já que os escândalos têm funcionamento cíclico: há diminuição dos casos de corrupção após a “limpeza” das “maçãs podres”, mas em um curto período, os escândalos recomeçam.

Isso ocorre porque a ideia do combate à corrupção com fundamento na “teoria das maçãs podres” parte da premissa de que o ambiente é íntegro e de que a corrupção seria decorrente de casos isolados, ou seja, a eliminação dos “frutos podres” resolveria o problema. Tal visão se revela simplista por ignorar que a corrupção é um algo muito complexo e que, consequentemente, seu enfrentamento envolve a compreensão de todo o funcionamento do ambiente facilitador, incluindo muitas vezes a necessidade de se compreender as relações com agentes externos à Administração Pública (empresas, fornecedores, cidadãos etc).

O teste de integridade não é uma panaceia que pode solucionar o problema da corrupção em todos os órgãos, entidades e agentes da Administração Pública brasileira, mas se mostra uma ferramenta capaz de contribuir positivamente por agir não somente quando os casos de corrupção já aconteceram ou estão em curso, mas preventivamente, contribuindo para que o ilícito sequer chegue a acontecer.

*Almerinda Alves de Oliveira é auditora do Estado de Mato Grosso, lotada na Controladoria Geral do Estado (CGE).

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