Especialistas propõem novo olhar para o controle disciplinar de servidores e empresas
Nesse sentido, o subprocurador-geral do Distrito Federal, Antonio Carlos Alencar Carvalho, chamou a atenção dos participantes para os riscos da aplicação indiscriminada de penas máximas (demissão e cassação de aposentadoria) nos processos administrativos disciplinares em desfavor de agentes públicos, no afã de se fazer justiça em um momento em que a corrupção ecoa na realidade brasileira.
“Vivemos um momento no Brasil de grande preocupação com a moralidade administrativa, com o controle do exercício da função pública, com a necessidade de se encimar os valores republicanos. Mas, por outro lado, em momentos críticos, o risco de caça às bruxas, de injustiça, de má aplicação do direito, também deve ser objeto de reflexão”, comentou.
Segundo ele, aplicar penas máximas mecanicamente e sem considerar os fatos de cada situação decorre de um modelo arcaico do direito administrativo. “Esse modelo decorre do positivismo jurídico, em sua compreensão ainda do século XIX de que a lei seria perfeita, de que a lei esgotaria todo o conteúdo do direito, de que o conjunto de regras estabelecidas no direito positivo seria suficiente para abranger todas as situações que o mundo fenomênico traria para a decisão da autoridade administrativa”.
Para ele, o julgamento do processo disciplinar deve pautar-se pelas circunstâncias do caso concreto, com base nos valores e princípios constitucionais e nos direitos fundamentais, numa visão humanista do direito administrativo. “A realidade mostra que diversas situações de aplicação da solução padrão representam aberrações do ponto de vista jurídico. Para se dizer que a lei abrangeria todas as situações do mundo real, de forma perfeita, seria necessário que a lei contivesse todas as exceções possíveis à regra e, evidentemente, isso é impossível. É necessária a ponderação das circunstâncias do caso para se chegar a uma solução jurídica”, argumentou.
Organização criminosa
Já o procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, Mauro Viveiros, explanou sobre os desafios do controle estatal quanto ao crime organizado, sobretudo em relação à constituição de empresas com a expertise para lavar dinheiro público. Para ele, é preciso que a administração pública (não só as polícias, mas todas as áreas afetas ao assunto) invista cada vez mais na prevenção e, consequentemente, na gestão de riscos.
“Precisamos atuar fortemente na prevenção, estabelecendo estratégias de inteligência para detecção do fenômeno antes que o fenômeno esteja vivo. A necessidade de controlar implica fazer gestão de riscos, compreender que estamos diante de riscos que colocam em xeque todo e qualquer tipo de planejamento e de execução de políticas públicas. Identificar e classificar esses riscos é uma tarefa irrenunciável por parte das organizações públicas e privadas”, defendeu.
Viveiros destacou que outro instrumento contra o crime organizado é o estímulo à cidadania. “É preciso que tenhamos a instituição de programas de incentivo à cidadania, especialmente ao servidor público, que tem responsabilidades de defesa do erário para que denuncie crimes contra a administração pública. Mas ele (servidor público) precisa ter segurança para fazer isso. É preciso que haja programas de incentivo que lhe dê a garantia necessária para que possa ser um cidadão-servidor do público”, afirmou.
Para o procurador de Justiça, as autoridades públicas (polícia, delegados, promotores, juízes etc) encarregadas do combate ao crime organizado também precisam de mecanismos de proteção, já que estão permanentemente expostas a ataques e a retaliações. “É preciso haver mecanismo de proteção a esses investigadores para que atuem com plena liberdade. É preciso que o direito proteja aqueles que têm responsabilidades primárias. O dono da organização criminosa, muitas vezes, é um sujeito sem rosto; ao contrário dos investigadores (polícia, juízes, promotores, imprensa etc) ”, comentou.
Dimensões complexas
O procurador-chefe da Procuradoria Regional do Estado do Mato Grosso do Sul lotado em Brasília (atuação junto ao STF e Tribunais Superiores), Ulisses Schwarz Viana, explanou sobre eficiência administrativa, controle disciplinar e ética. Para ele, este tripé deve estar sempre associado como pressuposto para uma nova forma de pensar, ver e agir no setor público.
“Esse é o grande desafio para criarmos um país mais democrático, mais inclusivo e com justiça social. Um país que não vive só de discurso, de bondade. Não é só prendendo gente que vamos mudar o Brasil, temos de refundar nosso país”, pontuou.
Por isso, Schwarz conclamou os servidores públicos a construírem uma administração pública mais dinâmica, moderna, leve, inovadora e comunicativa, que englobe um conceito mais abrangente de ética e gere resultados úteis para a sociedade.
“A ética não é só não ser corrupto, não desviar dinheiro. É muito mais do que isso. É a ética do servir, da eficiência. A ética é o resultado, é a eficácia daquilo que estou fazendo. É um compromisso com o meu agir, é um compromisso em produzir resultado útil à população pelo investimento que ela faz no servidor público por meio dos impostos. A ética é uma maneira de olhar a coisa pública como coisa de todos nós”, argumentou.
Nesse sentido, uma das sugestões do procurador é que o setor público adote modelos que reconheçam as boas ideias e práticas do servidor público. “Precisamos reconhecer boas iniciativas e inovações porque a administração deve mudar e evoluir de acordo com o que a sociedade espera. Talvez precisemos pensar mais o controle no sentido de uma meritocracia, não só de punir os maus comportamentos, mas promover um bom comportamento, trazer para frente os servidores que são criativos e comprometidos”, ressaltou.