Ayres Britto, no TCE-SE: “Democracia é excomunhão da cultura da coxia”
Carlos Ayres Britto é um otimista. Ele acha que o Brasil está passando por um momento de transformação e que sairá melhor dessa crise moral sem precedentes. “É preciso aplicar a lei por um modo moral, por um modo público ou transparente. Nas coisas do poder, o melhor desinfetante é a luz do sol. Democracia é isso: é excomunhão da cultura do camarim, da coxia, do bastidor. Tudo tem que vir a lume, como está vindo a lume. Quem tiver culpa no cartório vai responder”, acredita, exemplificando o antídoto da transparência com Thomas Jefferson: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”.
A crise ética vivenciada pelo país, o descrédito da população para com as instituições e a necessidade de um rigoroso cumprimento da Constituição foram os aspectos destacados pelo ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), ao proferir palestra no Tribunal de Contas do Estado nesta segunda-feira, 19, dando início ao Fórum “Por um Brasil ético: o dinheiro público é da sua conta”. A palestra dele foi sobre “Ética na administração pública”.
Ayres Britto é otimista por ver que os brasileiros vivem a fase da indignação “diante de tantos escândalos, diante de tanta sem-cerimônia com que se avança no dinheiro público e que se manipula dados. Mas chegaremos à fase da propositividade”, segundo ele, ao debater saídas dispostas na Constituição. “Se estamos imersos nessa crise é por inobservância àquelas regras éticas mínimas que correspondem à ideia força de uma vida civilizada: uma vida minimamente civilizada tem que primar por regras éticas ou morais”, colocou.
Para Ayres Britto, a observância dos princípios constitucionais por parte dos administradores públicos é imprescindível. “Por que temos 14 milhões de desempregados? Porque o Brasil é um país que anda de costas para a sua Constituição, porque a ordem econômica tal como foi concebida pela Constituição não está sendo praticada”, afirmou, acrescentando que é preciso estar vigilante no combate à “cobra de três cabeças” que ataca o poder público: a corrupção, que é herdeira do patrimonialismo; o desperdício do dinheiro público; e o corporativismo, que resulta na impunidade.
O princípio da Legalidade recebeu atenção especial do palestrante. “Quando a Constituição diz que a administração pública obedecerá aos princípios da legalidade, está dizendo: a Lei é o fator necessário de impulso, de movimento da administração pública”, disse o ex-ministro, acrescentando que, para o indivíduo, “a ausência de lei não é ausência de direito; o direito é maior do que a lei; não havendo lei, todos têm direito de não ter dever; agora, para a administração, a lei é do tamanho do direito; não havendo lei, não há direito para o administrador”.
O uso da delação premiada como instrumento de controle do crime também foi citado e defendido pelo palestrante. “A delação premiada, numa linguagem coloquial, ou colaboração premiada, num plano técnico, instrumento desse mecanismo bem mais atual do Direito que se chama sanção premial, estilhaça a lógica interna das organizações criminosas; é um antivírus poderoso contra o vírus do enquadrilhamento delituoso, porque essas organizações se mantêm a partir da fidedignidade irrestrita, absoluta, canina”.
Outro ponto enfatizado pelo palestrante foi a necessidade de as instituições cumprirem com as funções para as quais foram concebidas. “Não basta que as instituições existam, é preciso que as instituições funcionem; a lógica da funcionalidade é superior à lógica da existência”, enfatizou Ayres Britto, ao ressaltar que a lógica da funcionalidade é superior à da existência: “A sociedade não perdoa instituição que não funciona; a função é a razão de ser da instituição; a instituição só existe para cumprir a função; a instituição é meio, a função é o fim; o que define a essencialidade de uma instituição é sua função”.
Ele concordou que o Judiciário ainda é moroso e que essa morosidade pode contribuir com a impunidade, mas acha que as instituições estão avançando graças à maior fiscalização do cidadão e da imprensa. Por fim, ele defendeu a perenidade das instituições, que estão acima do culto ao personalismo. “Chega de viver sob a aba de quem quer que seja. Nós precisamos viver sob a aba das instituições. Chega de chiclete psicológico, de fulano, sicrano ou beltrano”, disse, citando Bertolt Brecht: “Infeliz a nação que precisa de heróis”.