Contratação integrada encarece obras e é usada sem critério legal, revela Tribunal de Contas da União

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Auditoria a pedido do Senado Federal analisou licitações de rodovias realizadas pelo DNIT

O uso da Contratação Integrada em licitações de estradas federais não obedece a critérios legais mínimos. É o que revela auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) que verificou a efetividade do uso do Regime Diferenciado de Contratações (RDC) para acelerar e baratear obras públicas. A pesquisa foi feita a pedido da Comissão de Meio Ambiente do Senado e se baseou nas licitações de estradas realizadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) desde 2007. O estudo reforça dados já identificados pelo Dossiê CAU/BR-Sinaenco e por auditoria do Ministério da Transparência, Controle e Fiscalização (CGU).

De acordo a lei que cria o RDC, editada em 2011, podem ser licitados por Contratação Integrada apenas as obras e serviços que atendam a pelo menos a uma das seguintes condições: envolvam inovação tecnológica ou técnica, possam ser executados com diferentes metodologias ou apresentem possibilidade de execução com tecnologia de domínio restrito. Os demais devem ser licitados com base na chamada Parte Geral, com aquisição separada de projeto e obra. Apesar disso, desde 2012, o DNIT passou a usar generalizadamente a modalidade integrada.

Em 2015, todas as licitações de estradas feitas pela autarquia federal foram via RDC, sendo que quase 90% delas pela Contratação Integrada. De acordo com o TCU, “as justificativas utilizadas pelo DNIT, no geral, são genéricas e padronizadas, não havendo avaliações que justifiquem, no caso concreto, a opção pelo RDC-Contratação Integrada”. Segundo o Acórdão do Tribunal, tais fundamentações “não albergam a determinação da lei de justificar técnica e economicamente a utilização do RDC-Contratação Integrada”.

Percentual de uso do RDC-Contratação Integrada, da LGL-Lei Geral de Licitações (Lei 8.666/1993) e do RDC-Parte Geral nas licitações do DNIT. Fonte: Acórdão Nº 306/2017 – TCU.

A auditoria mostra ainda que as licitações para duplicações e construções de rodovias federais pela modalidade de contratação integrada tem 40,1% de índice de fracasso. Pelo regime da Lei Geral de Licitações (Lei 8.666/1993), o índice de fracasso foi menor: 26,6%. De acordo com relatório assinado pelo ministro Bruno Dantas, “como a diferença fundamental entre os três regimes é a não existência de projeto básico para o RDC-Contratação Integrada, avalia-se que esse fato pode estar contribuindo para a ocorrência de um percentual a maior de fracasso nos procedimentos licitatórios”.

 Lei aplicável Anulada Deserta Revogada Suspensa Número de licitações
RDC-Contratação Integrada 7,4% 1,1% 31,6% 0,0% 95
RDC-Parte Geral 5,6% 0,9% 20,4% 0,0% 108
LGL 4,1% 0,9% 21,3% 0,3% 342

Índice de licitações malsucedidas por modalidade. Fonte: Acórdão Nº 306/2017 – TCU.

OBRAS MAIS CARAS

O Tribunal verificou também que as obras contratadas pelo RDC, tanto na modalidade Geral (com projeto separado da obra) quanto por Contratação Integrada, saem mais caras do que as licitadas conforme a Lei Geral, em média. As obras de implementação de estradas contratadas de forma integrada saem mais caras, em média, R$ 191.944,08 por quilômetro.

Tipo de intervenção Lei aplicável Média(R$/km) Desvio padrão (R$/km) Número de obras
Duplicação LGL 7.687.228,07 3.249.091,02 41
Duplicação RDC-Contratação Integrada 7.724.686,40 3.879.919,10 21
Duplicação RDC-Parte Geral 9.706.037,24 4.487.358,64 14
Implantação LGL 2.233.200,03 953.365,17 46
Implantação RDC-Contratação Integrada 2.425.194,91 864.591,74 14
Implantação RDC-Parte Geral 2.438.193,22 1.412.088,21 9

Custos médio das obras de rodovia por quilômetro e modalidade. Fonte: Acórdão Nº 306/2017 – TCU.

Um dos motivos para os preços maiores seria o fato de a Contratação Integrada apresentar menor índice de desconto em relação ao preço de referência. Esse deságio menor pode ser uma das causas dos preços médios mais elevados das obras da modalidade. “Corrobora esse dado o fato de que 69% das primeiras propostas das licitantes vencedoras são superiores ao preço de referência”, afirma o relatório. Outro fator relacionado é o menor número de licitantes na modalidade de Contratação Integrada em relação às outras.

Modalidade licitatória Média de licitantes Desconto médio na licitação Desvio padrão Número de licitações
RDC – Contratação Integrada 5,7 4,41% 5,82% 50
RDC – Parte Geral 6,7 9,84% 8,66% 74
Lei Geral de Licitações (Lei 8.666/1993) 6,8 5,87% 6,61% 236


Número médio de empresas participantes das licitações por modalidade. Fonte: Acórdão Nº 306/2017 – TCU.

INÍCIO DE OBRAS SEM PROJETO BÁSICO

O levantamento identificou ainda problemas relacionados à concentração do projeto e da execução na mesma empresa, característica principal da Contratação Integrada. Na obra de duplicação da BR-381, em Minas Gerais, por exemplo, “o projeto básico apresentado pelo consórcio contratado modificou significativamente o traçado da rodovia constante no anteprojeto licitado”, aponta o documento.

Além disso, a auditoria apurou que, na mesma obra, “as soluções propostas pela contratada apresentaram-se inferiores às propostas contidas no anteprojeto de referência da licitação: vias mais sinuosas, com excessivo número de curvas com raios menores que os valores originalmente previstos; perfil geométrico da rodovia com rampas mais íngremes que o previsto e adoção de interseções em nível em detrimento de interseções em diferentes níveis previstas. Em outras palavras, soluções que reduzem o nível de serviço constante do anteprojeto da rodovia, em afronta ao Edital da licitação”.

Segundo a apuração dos auditores, nas obras licitadas via contratação integrada era comum a autorização de início sem a apresentação integral sequer dos projetos básicos, diferentemente do que manda a Lei do RDC. “Além dessa possível ilegalidade, cabe registrar o alto risco agregado a um empreendimento que se inicia sem que a Administração tenha a visão global da obra. Dar início a uma obra a partir de um projeto básico parcial invariavelmente conduzirá à fragilidade de controle por parte da Administração sobre a obra em termos de prazo, preço e qualidade”, afirma o relatório.

REDUÇÃO DE PRAZO IRRELEVANTE

Com relação aos prazos, a auditoria mostra que os ganhos com a maior celeridade da licitação por Contratação eram perdidos nas fases de projeto e obra. “Os indícios de irregularidade atinentes à execução das obras, caracterizados essencialmente por atrasos de cronograma e deficiências na qualidade dos serviços executados, indicam que o possível benefício advindo da celeridade obtida no processo de contratação de obras por meio do RDC-Contratação Integrada pode não estar ocorrendo de fato. Ou seja, a eventual celeridade na etapa inicial da obra não estar conduzindo a ganhos de eficiência na fase pós licitatória”.

As fases externas das licitações na modalidade de contratação integrada demoram, em média, 142 dias a mais do que as realizadas na modalidade geral do RDC (sem contratação integrada de projeto e obra) e 96 dias a mais do que as no regime da Lei 8.666/1993.

  Tipo de intervenção Lei aplicável Prazo relativos à fase interna e externa(dias) Desvio padrão Número de contratos
Duplicação/Implantação LGL 325 235 140
RDC-Contratação Integrada 421 199 48
RDC-Parte Geral 279 192 34


Prazos relativos à fase interna e externa das licitações (sem os dados específicos do Crema 2ª Etapa). Fonte: Acórdão Nº 306/2017 – TCU.

DOSSIÊ CAU/BR-SINAENCO

O TCU compara ainda a auditoria levantamentos com conclusões similares, como o realizado pela Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor) (clique para acessar) e o dossiê produzido pelo Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco) e pelo CAU/BR (clique para acessar). De acordo com o ministro Bruno Dantas, “percebe-se também haver padrão de semelhança entre os percentuais de licitações malsucedidas por regime quando calculados pelo Sinaenco/CAU, Aneor e TCU, conferindo mais uma vez confiabilidade nos trabalhos realizados por essas Entidades”.

Apesar de não ser citado diretamente pelo Tribunal, relatório de auditoria do Ministério da Transparência, Controle e Fiscalização (CGU) nas contratações do DNIT, divulgado neste ano, também chega a conclusões parecidas (clique para acessar).

CAU/BR FIRMA POSIÇÃO CONTRÁRIA AO RDC

Idealizado para uso na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos, o RDC acabou sendo estendido para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Sistema Único de Saúde (SUS), de presídios e para todas as contratações de empresas públicas e sociedades de economia mista. E a perspectiva é que esse movimento de ampliação do Regime continue: o Senado aprovou no último dia 13 de dezembro o uso da modalidade de contratação integrada para todas as obras acima de R$ 20 milhões. A possibilidade foi incluída no projeto de reforma da Lei de Licitações, que seguiu para a Câmara dos Deputados (PLS 6.814/2017), onde deve ser analisado este ano.

O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) reforça posicionamento contrário ao regime, especialmente contra a modalidade de “contratação integrada”. A autarquia federal defende licitações feitas apenas a partir de um projeto completo, elemento fundamental para garantir o mínimo de qualidade da obra e a confiabilidade ao planejamento dos custos e prazos.

Acesse aqui a íntegra do relatório de auditoria do TCU

Clique aqui para ler mais sobre a reforma da Lei de Licitações

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